Há muitos anos uma senhora idosa, para lá da casa dos 70 anos, frequentava a esquina da Av. Colombo com a Rua Demétrio Ribeiro (continuação da Av. Herval, que termina na UEM). Logo cedo ela ali chegava, com seu vestidinho velho, matrapilho, bem surrado. Na cabeça um lenço amarrado escondia os cabelos brancos e desarrumados. Algumas vezes a vi com um chapéu, como de uma camponesa sofrida da lida. Ali era seu ponto onde diariamente tirava uns trocados para complementar, imagino, seus outros poucos trocados da aposentadoria. A cada fechada do semáforo, de carro em carro pedia os trocados. Uns davam, outros não. Uns olhavam outros não. Talvez o leitor se lembre dela, esperando o semáforo fechar para iniciar sua peregrinação entre os carros e caminhões da Colombo. Quando era possível fazia minha contribuição.
Um dia um amigo meu disse ter visto, "com seus próprios olhos", aquela pobre coitada trocando um vestido razoavelmente bem apresentável por aquele pedaço de pano que ela costumava usar em sua tarefa diária. Segundo ele, ela estava vestindo o uniforme para iniciar mais um dia de trabalho. Confesso que depois deste depoimento fiquei desconfiado da velhinha. Afinal, agente sempre fica com a pulga atrás da orelha com mendigos, mas como era uma idosa...sei lá. Confiar em quem hoje em dia.
O fato é que depois de mais algum tempo a prefeitura e outros orgãos da comunidade começaram uma campanha sobre a necessidade de se evitar dar esmolas para andarilhos e pedintes, principalmente aqueles que ficavam em semáforos. A idéia era que dar esmola viciava o pedinte, e que era preciso ensinar a pescar em vez de dar o peixe todo dia. Concordei com a teoria e acho que ainda é válida.
Não demorou muito e no ponto onde a velhinha fazia seu trabalho foi posta uma placa que dizia: "Não dê esmolas", e que também passava um número de telefone para denunciar quem estivesse pedindo dinheiro.
Depois de mais alguns dias não vi mais nossa personagem naquele local. Fiquei sinceramente pensativo se o motivo de sua ausência seria a placa ali plantada ou porque havia deixado de estar entre nós.
Mas fiquei feliz outro dia quando passando pelo "redondo" da Av. Alexandre Rasgulaefi no semáforo que dá acesso à Av. Morangueira lá estava ela. A medida que os carros andavam quando o semáforo abria, torcia em voz baixa para que o semáforo fechasse quando eu estivesse perto para que pudesse ter certeza de que era ela mesma. E era! A mesma roupa maltrapilha, o mesmo olhar, o mesmo rosto sofrido. Mas havia uma diferença. Ela tinha em suas mãos uma caixa de tabletes de balas coloridas de goma - aquelas que a criançada adora. Quando parei o carro ela veio e ofereceu. "Quer moço. R$ 1,00 para ajudar". Comprei.
Parece que ela aprendeu a pescar. É claro que comprar as balas talvez não tenha sido ainda a coisa certa a fazer. Mas porque não? Pelo menos não tive a sensação de estar sendo enganado. Paguei por um produto ao mesmo tempo em que ajudei aquela velha senhora que já sofreu tanto.
Sinceramente, é melhor do que o sentimento que tenho quando estaciono o carro em qualquer lugar no centro de Maringá e preciso aceitar uma proposta indecente "de guarda do meu carro".
Existe uma grande diferença entre dar uma esmola e pagar um flanelhina: no primeiro caso você talvez esteja sendo enganado, e dá se quiser. No segundo, você tem certeza de estar sendo trapaceado, e paga porque tem medo.
Então fica a pergunta: porque para os agentes públicos dar esmola é combatido com placas, 0800, redes de assitência social, enquanto a ação dos flanelinhas de estorquir os motoristas é aprovado e incentivado?
Edson Filho
sábado, 15 de novembro de 2008
Porque esmolas não e flanelinhas SIM?
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